segunda-feira, 6 de maio de 2013

Volta ao Jardim II - o dia em que a essência do reggae gaúcho renasce


Começou com um sábado bonito de maio. Sol brilhando e temperatura agradável, apesar da previsão de chuva e temperaturas baixas para todo o final de semana. Saí de casa lá pelas 15hrs, com a intenção de acompanhar os movimentos finais da passagem de som das bandas. E logo na entrada do Afrosul Odomodê me deparo com uma linda feira cultural com uma infinidade de artigos, todos relacionados ao reggae, ao rastafari, à África e à ancestralidade. Já no pátio interno, ficava clara a tônica do evento: galera tomando um chimarrão, criançada brincando, sorrisos e respeito por todos os lados. Aliás, há tempos que os amantes do reggae clamavam por essa possibilidade de poder encontrar os amigos pra ouvir boa música sem aquele "clima pesado da noite", pra poder levar a família com tranquilidade, num ambiente aberto, aconchegante e acolhedor. A impressão inicial preconizava que o evento transcorreria assim, lindamente.


A tarde foi passando nesta suavidade, e o povo começou a chegar cedo. Também próximo à entrada estavam as gurias que se disponibilizaram para convidar as pessoas a realizarem seu cadastro como associados da Associação Cultural Reggae RS. E lá pelas 16hrs, quando Ras Kalifa iniciou sua palestra sobre técnicas para roadies, já havia um bom público no pátio externo. E isso comprova o acerto da pluralidade de atrações do evento. As pessoas não estavam lá apenas para "ver shows de graça", mas também para compartilhar conhecimentos, vivências, ensinar e aprender. E pra mim, que guardo ótimas lembranças dos meus tempos de roadie, a oficina foi extremamente enriquecedora, e despertou uma nostalgia gostosa da época em que comandava a equipe técnica da banda NósNaldeia, de Florianópolis.

                    
Kalifa ressaltou a importância da figura do roadie, da grande responsabilidade que é deixar tudo perfeito para que as bandas possam executar seu trabalho com tranquilidade. Dentre os muitos ensinamentos compartilhados por ele, destaco uma frase que resume perfeitamente o quanto é essencial a atuação dos profissionais desta área: "O roadie é o anjo da guarda do artista: prevê os imprevistos". Embora  faça parte do papel do roadie "passar despercebido" - afinal, o show é do artista - com certeza não restam dúvidas de que prever imprevistos é uma arte tão nobre quanto tocar e cantar. Aliás, quem tiver interesse em aprender mais sobre a profissão, o Kalifa oferece o curso completo para roadies gratuitamente, com duração de 6 meses a 1 ano, em Caxias do Sul. Basta entrar em contato direto com ele para obter maiores informações. E em breve disponibilizaremos aqui no blog o material didático que ele fornece, pra dar uma forcinha pra galera que não puder viajar pra Serra pra frequentar o curso.

Enquanto Kalifa compartilhava sua experiência e sabedoria, o céu ia ficando escuro a oeste. Um vento gelado começava a soprar, e alguns pingos esparsos caíam suavemente. Rapidamente, as cadeiras foram movidas para o espaço interno do Afrosul Odomodê, para que a palestra da Carmela Grüne sobre Direito no Cárcere não acontecesse debaixo d'água. Mas São Pedro tinha um plano, e não era fazer chover. As nuvens escuras vieram apenas para abrilhantar ainda mais o evento com um magnífico pôr-do-sol, daqueles que transformam nuvens cinzas em um espetáculo multicor que faz transbordar o coração da gente.

 
 

Sob a condução magistral do mestre de cerimônias Mano Oxi, teve início o bate-papo com a Carmela sobre seus projetos Desmitificando o Direito, Samba no Pé & Direito na Cabeça e Direito no Cárcere, voltados às pessoas em situação de encarceramento. Um relato duro, pesado, porém belo e sincero. Afinal a situação dos apenados é uma realidade que escapa ao cidadão comum, já que sempre é abordado superficialmente pelos meios tradicionais de comunicação. E estas ações e vivências que ela propõe, de levar a arte, o grafitti, a música, a poesia - e por quê não dizer, esperança - arrancou arrepios da plateia por sua honestidade e pelo desejo de fazer o bem, sem olhar a quem. Afinal, a transformação é uma via de mão dupla. Dentre os que que participaram do projeto Direito no Cárcere com quem tive o prazer de conversar, não há um que não diga ter saído diferente após a visita ao Presídio Central. Levar esperança àqueles que estão esquecidos pelo Estado também é uma forma de renovar a sua própria fé. E a Carmela - além do coração de ouro e da vivência extraordiária - também nos brindou com um pouquinho da sua veia artística: soltou a voz e cantou trechos de samba e funk, ligados aos temas com os quais ela trabalha.

E na colada deste momento acapella, nossa querida pimentinha voz de veludo Nega Fyah Fabiane Rocha soltou seu vozeirão para apresentar uma de suas novas canções que também aborda a realidade prisional, já que um dos irmãos dela está no sistema carcerário. E, é claro, foi aplaudida efusivamente por todos os presentes. Ah, e vale lembrar que as portas do projeto Direito no Cárcere estão abertas aos integrantes da Acrer que queiram levar sua arte ao Presídio Central, bastando para isso agendar uma data com nosso presidente Ras Sansão, que fará a conexão com a Carmela.

Como o tema proposto pela Carmela suscita debates e complementações, o microfone ainda passou pelas mãos e pelas palavras do professor Jorge Cidade - legendário saxofonista da banda Produto Nacional - que fez uma fala contemplando a necessidade de maior liberdade de expressão, enfatizando que as pessoas não se vêem representadas pelos meios tradicionais de comunicação, nem pelo "modo de vida" defendido pelos mesmos. E Paulinho Romeo, grande figura do Centro Afrosul Odomodê, ressaltou que "mais importante do que reduzir a maioridade penal é aumentar a pena para crimes covardes", onde a crueldade e gratuidade da violência não fazem jus à ação criminal em si, como em casos em que as vítimas, já rendidas, são friamente assassinadas sem razão aparente. E completou dizendo que esta covardia vem se espalhando pelos níveis da sociedade e começa lá em cima, onde os políticos são autores das maiores covardias contra o povo. E como disse Paulinho: "se a política é covarde, toda a sociedade também é".

Enquanto estávamos todos fascinados com a palestra da Carmela, com a linda voz da Faby Fyah, e com as sábias palavras do Cidade e do Paulinho, São Pedro operava mais uma das suas: soprou as nuvens pra longe e deixou que as estrelas e a lua minguante do início de maio brilhassem no céu, para que pudessem dar uma espiada nos shows que estavam por vir.


E neste ínterim, subiu a a primeira banda da noite - Lírica Rocha - ao palco. E como sempre diz o professor Carrasco: "é uma banda nova com maturidade de nego véio". E foi exatamente isso o que se viu durante toda a apresentação. Arranjos bonitos e consistentes, letras fortes e fundamentadas, enfim, todos os fatores que constroem uma boa banda de reggae. Agregando força e talento a esta galera, estava o também legendário Sílvio Oliveira - "sócio-fundador" da Produto Nacional - no comando da bateria da Lírica Rocha.  E nesta mescla de experiência e juventude, quem saiu ganhando foi o público, que pode assistir a uma linda celebração da música reggae, sincera e cativante.


Nos intervalos entre um show e outro, o que se via no pátio externo era exatamente o que o nome do evento propunha. De Volta ao Jardim, muitas pessoas que estavam há tempos sem comparecer a um evento de reggae fizeram-se presentes, proporcionando lindos reencontros, abraços apertados daquele tipo mais gostoso que existe - sincero e saudoso - pela simples alegria de reencontrar velhos amigos, ou pela oportunidade de fazer novas amizades com pessoas do bem. Pra onde quer que se olhasse, o sorriso repleto de satisfação, a simpatia e o respeito estavam presentes. Lindo de se ver, de se sentir, e de presenciar. E tudo isso acontecendo sob a tutela das pedradas sonoras comandadas pelos dj's Richard e Tiago Roots.

Aí, a Brilho da Lata subiu ao palco. Com seu já mais do que conhecido reggae-rock-político-performático,   que traz toda a pressão desta banda que não brinca em serviço, fez todo mundo dançar e elevar suas vozes em canção com "O Diabo É Careta", "Só Eu Sei" e outras tantas sonzeiras que compõem o repertório da banda. Mas o destaque master fica por conta da novidade "Porto Alegre Vai Parar", composta e lançada recentemente em apoio às manifestações da juventude portoalegrense contra os mandos e desmandos da máfia dos transportes e da administração municipal. E alegra também o anúncio de que a Brilho está preparando seu segundo disco, recheado de músicas novas. Em breve, mais novidades sobre o assunto aqui no blog da Acrer!


E pra fechar com chave de ouro esta noite mágica do reggae gaúcho vieram eles, os professores, os dinossauros, aqueles que influenciaram todas as gerações de bandas que hoje existem espalhadas por todo este Rio Grande velho e sem porteira: Produto Nacional subiu ao palco e abalou as estruturas do Centro Afrosul Odomodê. Tocando grandes clássicos como "Lamento", "Nação", Oprimidos e Opressores" e com destaque sempre para a linda "Esperança" - de autoria do mestre Geda - a Produto prova e comprova a sua qualidade. E não posso deixar de ressaltar que eu, enquanto fã da banda desde piá, mal me contive quando executaram "Reggae Paradise", com sua letra que faz parte do meu ser como já deixei registrado na entrevista que fiz com o professor Paulo Dionísio. E como é bom, deixar de ser artista, jornalista, esquecer de tudo e cantar junto com a banda com um bom e fiel fã. E olhando em volta, via que não era o único, o que deixa tudo ainda mais lindo, por ser um sentimento compartilhado com as mais de 500 pessoas que compareceram ao evento.


E já no finalzinho, descobri lá escondido em um cantinho o mestre, dono de um dos maiores - se não o maior - acervo de reggae do estado do Rio Grande do Sul: Joãozinho do Maranhão. Ilustre presença desta figuraça que foi um dos responsáveis pela minha iniciação no reggae, sempre com uma humildade e conhecimento incomparáveis, estava lá com uma banquinha expondo um pedacinho do seu inesgotável acervo. Priorizando o Rei Bob Marley, já que estamos no mês de maio, sua exposição trazia videodiscs originais do One Love Peace Concert de Bob Marley, vinis originais, livros de fotos raras de Marley e muitos outros objetos ligados à carreira deste homem que apresentou o reggae para o mundo e que é um dos artistas mais influentes da história da música.


E assim, neste clima de confraternização, satisfação, sorrisos, abraços, reencontros e compartilhamentos, rolou a segunda edição do Volta ao Jardim, realizado pela Associação Cultural Reggae RS com o apoio do Instituto Naumild e de um grande time de colaboradores, que não vou correr o risco de citar aqui pra não esquecer ninguém. Aos que compareceram, fica na lembrança a magia de um dia memorável para o reggae gaúcho. E aos que não foram, espero que estas singelas palavras sejam capazes de transmitir - ao menos em parte - um pouquinho da fortíssima vibração que rolou por lá, e que desperte o desejo de comparecer às próximas edições. Foi um prazer ter feito parte de uma história tão linda, e contá-la aqui. Muito obrigado a todos!

Texto e fotos: Rastalex

6 comentários:

  1. VALE LEMBRAR QUE AS REUNIÕES DA ACRER SÃO TODAS AS TERÇAS AS 19H NA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA, ABERTAS PARA QUEM QUISER CHEGAR E AJUDAR NESSA CONSTRUÇÃO, VI QUE O REGGAE CONTINUA SENDO FORTE COM RAIZ BEM SÓLIDA AQUI NA ÁREA, ENTÃO CONVIDO A TODOS QUE COMPARECERAM NO EVENTO PARA VIREM NAS REUNIÕES E LEGITIMAR CADA VEZ MAIS NOSSA CULTURA PACIFICA E SAUDÁVEL "REGGAE". JAH VIBZ RASTAFARI VIVE


    GRATIDÃO RASTALEX PARABÉNS PELO TRABALHO

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  2. BAH MUITO BOM! Abraço SECO BRILHO DA LATA!

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  3. boto fé nessa força! abraço!! expolet

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  4. Excelente post, parabéns pelo trabalho Rastalex que deu todo o clima pra quem infelizmente não pode ir como eu, sentir como se estivesse lá. E o que senti foi que o evento foi um merecido sucesso total! Parabéns a todos nós da ACRER, em especial a gestão que tem feito um respeitável trabalho! Abrsss Reggae RS forte, povo gaúcho livre!!! Fabão. www.fabaomusic.com.br

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